martes, 17 de julio de 2007

A distribuição dinâmica da prova e o Direito de Família


José Carlos Teixeira Giorgis


A lesão aos direitos subjetivos é levada ao conhecimento da autoridade jurisdicional, única legitimada para dirimir os conflitos resultantes de sua ofensa, em busca da respectiva tutela e proteção.

O juiz deve dirimir a controvérsia, mas como não foi expectador ou coadjuvante do acontecido, é preciso que lhe sejam oportunizados todos os elementos do evento, numa verdadeira reprodução histórica, o que acontece através da prova, instituto processual que muitos consideram centro nervoso da demanda.

Para tanto a lei estabelece uma repartição de encargos entre as partes, tocando ao autor a demonstração dos pressupostos que enfeitam sua pretensão e ao demandado aqueles que constituem a coroa de sua defesa, no equilíbrio e igualdade próprios do contraditório constitucional e do princípio dispositivo.

Em outras palavras, o código de cânones instrumentais firma que a parte deve demonstrar apoio ao direito invocado, restando ao magistrado, aqui e ali, intervir para ordenar alguma diligência que melhore sua persuasão.

Esta harmonia foi quebrada com a superveniência do código do consumidor que estabeleceu direitos básicos para facilitar a garantia de defesa, inclusive com a inversão do ônus da prova, quando fosse verossímil a alegação e presumida sua hipossuficiência pelas regras de experiência. Ou seja, como o consumidor é a parte mais vulnerável, tendo seu pedido uma aparência de verdade, o juiz pode fugir do catecismo processual, determinando que a prova, antes atribuída ao autor, seja endereçada a quem tem melhor condições de cumpri-la: é o que acontece na revisão dos contratos bancários de posse dos estabelecimentos de crédito, e que servem para provar exageros de juros, taxas ou comissões, renovação indevida, enfim, matéria que devia ser esfera do cliente, mas que passa a quem melhor pode desempenhar o ônus, no caso o agente financeiro.

No mesmo sentido, é freqüente a alteração do comando probatório em ações de responsabilidade por erro médico, em que a prova não é do paciente, que não dispõe dos elementos técnicos para sedimentar sua ânsia reparatória, mas do médico que detém fichas e prontuários, únicos capazes de iluminar o litígio.

Por inspiração dos doutrinadores Jorge W. Peyrano (argentino) e Juan Trujillo Cabrera (colombiano), esta nova visão da pugna processual foi sistematizada sob a denominação de distribuição dinâmica das cargas probatórias e tomou de assalto a jurisprudência de causas que envolvam bancos, consumidores, cirurgias estéticas e outras, já inúmeros os repertórios que as registram.

Em palestras realizadas, atrevi-me a sugerir o uso da técnica também nas disputas familiares, campo onde se enfrentam partes desniveladas para a apuração da verdade, uma mais apetrechada pelas condições materiais e outra vulnerável pela carência afetiva e de recursos.

Assim hoje, quando um menor ajuíza ação de alimentos contra seu pai, além de provar sua necessidade ainda deve demonstrar a fortuna do genitor, nicho a que não tem acesso, notadamente quando se trata de profissional liberal ou trabalhador autônomo: ora, neste caso é perfeitamente possível que o juiz, que não deve ser um mero assistente da luta judicial, intervenha para determinar ao melhor aquinhoado e por tanto mais apto em produzir a prova, que venha à liça revelar qual seu entesouramento e condição.

Na investigação de paternidade, a prova pericial prestigiada do DNA não deve ser postulada por quem busca a ascendência paterna, mas exatamente pela parte que, negando a filiação, tem maior interesse na pesquisa genética para refutar a afirmação feita pelo investigante.

É que, lidando com direitos indisponíveis, o direito de família segue regras peculiares, permitindo a leitura dos padrões processuais com alargamento e mitigação.

Estes paradigmas típicos, como a possibilidade do juiz intervir no processo e a natureza das questões de família, aconselham que as regras de distribuição da prova, embora limitadas nas regras instrumentais, ganhem modernos desdobramentos e interpretação eficaz com uso da teoria da carga dinâmica da prova, sempre na busca da boa e sã justiça.

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